Entre as teorias sobre a origem do homem, há os que, na esteira de Darwin, teórico da evolução das espécies, dizem que o ancestral mais recente do homem é o macaco. Sem questionar se estão certos ou errados, como também sem me apegar ao que diz ipsis litteris o texto, digo logo que acho mais nobre o que afirma a Bíblia: “Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida, e o homem se tornou ser vivo” (Gn 2,7).
Simplesmente imagino Deus numa tarde de outono, contemplando as maravilhas da natureza que criara. Viu que ali faltava algo. Agachou-se, começou a brincar com o barro, plasmou com ele um boneco, achou-o bonito, mas sem vida. Inspirado, “soprou-lhe nas narinas o sopro da vida, e o homem se tornou ser vivo”. Estava criada sua obra-prima. “Mas… que será que ainda está faltando” – pensou. Ah! já sei. “Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma companheira que lhe corresponda.” E aí, até ele se surpreendeu com a maravilha que criou. Sorrindo, apresentou-a para Adão que, extasiado, exclamou: “Desta vez sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne! Chamar-se-á ‘mulher’, porque do homem foi tirada” (Gn 2,23).
Mais feliz que Adão, não tive uma, mas várias mulheres. A primeira, é claro, foi minha mãe. Mesmo analfabeta, foi a mulher forte que, quase sem a ajuda de papai, que labutava de sol a sol para levar o pão para nossa mesa, educou quatro filhos com a sabedoria dos simples. Não poupou a vara quando necessário, mas hoje nenhum dos filhos se queixa de que tenha sido assim. Cedo, porém, me ausentei de casa para estudar e, após o retorno, pouco tempo convivi com ela, pois logo me casei. À distância, contudo, nunca deixou de acompanhar nossa vida, até que Deus a levou depois de 88 anos bem vividos.
Casados, eis que já no primeiro ano de nossa vida a dois, surge nosso primeiro rebento. Rostinho redondo, pele morena, olhos castanhos roubados da mãe, vivos e buliçosos. Linda como uma flor! Patrícia Carla foi o nome que lhe demos no batismo. A mulher decidida e que sabe bem o que quer já se manifestava na criança que aos 4 anos começou a frequentar a escola. E crescia em formosura e sabedoria. A mãe, que já aos nove anos mexia nos livros do tio e lia romances, desde cedo incentivou-a à leitura. Patrícia, como os irmãos, viveu rodeada de livros. Rabiscados – diz ela que pelos irmãos –, eles existem até hoje em nossa biblioteca. Narizinho arrebitado, senhora de si, teve vários namorados, mas casou-se com o Luís Ricardo, casamento que perdura há 19 anos. Orgulho-me de ser pai de tal filha. (Aliás, se a estas alturas da vida pelo menos esse orgulho me é permitido, orgulho-me de todos os filhos que tenho.)
Depois dela, vieram o Paulo Henrique e o Marcelo Renato. Marcelo é solteiro e Paulo, em 2010, se casou com a Rose. Os dois já se conheciam há alguns anos, mas a família só veio a saber da Rose não faz muito tempo. Tempo, no entanto, que foi suficiente para nos revelar a meiguice e simplicidade que lhe são próprias. Professora, essa raça parece estar em extinção, tal o menosprezo que nossos homens públicos têm pela cultura e educação em nosso país. Aliás, com o mau exemplo vindo de cima, toda nossa sociedade pouco apreço tem por essa profissão. E de fato são tal mal remunerados os mestres do saber que, num mundo que valoriza muito mais o ter que o ser, a busca primeira é por profissões que rendem mais. Idealista, a Rose continua sua luta. Inglória, dirá alguém, mas que não deixa de semear o bem em corações. E o bem sempre dará frutos.
Dias atrás, a Maria Paula completou 14 anos. É a filha da Patrícia e do Ricardo. No buquê de flores femininas que me rodeiam, é botão desabrochando. Quando nasceu, era fotocópia tão idêntica da mãe que, lá pelos seus seis ou sete anos, ao lhe mostrarem a foto da mãe bebê, dizia que era ela e não a mãe. O sangue mouro do bisavô paterno tingiu-lhe a pele com a cor do jambo. Pacata, meiga, educada, só é teimosa com o pai e a mãe. Aluna há dez anos de uma das boas escolas de São José, a Monteiro Lobato, sempre esteve entre os primeiros da classe. Quase todos os dias vem para a casa do vô depois das aulas. Quando chega dizendo que teve prova e lhe pergunto como foi, invariavelmente responde: Mais ou menos. Poucas vezes, entretanto, a nota desse mais ou menos é menos que 10!
Ao entrar para a família, Rose trouxe, de seu primeiro casamento, mais uma mulher: a Mariana. O Paulo a adotou como filha, ela o adotu como pai e amigo, consequentemente eu a adotei como neta. Há pouco, acabou de se formar esteticista, que, para mim, era uma profissão simplesmente para cuidar da beleza das pessoas. Eu mesmo, no entanto, já fui alvo de ela demonstrar que não faz apenas isso. Examinou uma pequena manhca no meu rosto e disse que aquilo poderia vir a ser um câncer de pele, apontando em seguida os cuidados que deveria tomar. Ou seja, já lucrei com sua vinda.
Depois de dois filhos homens, eis que nos vem mais uma filha mulher. Maria Cristina é o nome dessa outra boneca. O sorriso no rosto ela o trouxe já do parto e a acompanha até hoje. Sorriso e beleza que guardam por trás a menina corajosa e destemida que é. Com a família toda morando em São José e Jacareí, e solteira ainda, mora sozinha em Guará. Agora, numa casa pequena, mas em 1999/2000, também só, morou um ano em nossa casa da Gustavo Molica, que era enorme. Só, e Deus. Só e seu Anjo da Guarda. Mesmo tendo curso superior, luta destemidamente por se manter. Nem por isso o sorriso a abandona. Esse, talvez, seu maior segredo.
Contrastando com a pacatez da Maria Paula, o caçula, Antonio Carlos, e a Cristiane nos deram a Isabela. Vivacidade e inteligência fora do comum. Aprende as coisas com facilidade espantosa. Ai do vô se mexer no computador ao lado dela. “Não é assim, vô!” Não para um minuto. A energia é tanta que tem necessidade de queimá-la ininterruptamente. De pele clara, puxando certamente aos avós maternos, é bela até no nome. Desde pequenina, estuda também na escola Monteiro Lobato. Além do curso normal, faz balé, estuda música, inglês… É rosa ainda em botão!
Quem falta? Ah, falta a intelectual da família, a Cristiane, esposa do Antonio Carlos e mãe da Isabela. Formada em Engenharia Elétrica, com mestrado em Sistemas e Controles, trabalha atualmente na Embraer. Se um avião cai, não sei se lhe podemos atribuir a causa, mas trabalha na área de projetos. Brincadeira à parte, é na verdade, junto com centenas e milhares de outros, responsável pela atualização desse invento fantástico de Santos Dumont. É a mulher que menos vemos na família, pois trabalha de sol a sol e ainda usa horas da noite para estudar, se necessário até em fins de semana.
Bem, e paro por aqui. Mas como, se nada falei daquela que, além de minha mãe, é a origem de todas essas mulheres em minha vida? Esqueço, por acaso, da mãe de minhas filhas, mãe de meus filhos, sogra de genro e noras, avó das minhas netas? De maneira alguma. Depois de mamãe, ela poderia ter encabeçado a lista. Mas foi proposital deixá-la para o fim. Para fechar com chave de ouro essa galeria que pobres palavras mal dizem de sua importância para minha vida. Povoou os dias todos de meus cinquenta últimos anos, de forma física, palpável, visível, trabalhando, vencendo e caindo, sorrindo e chorando, lutando por ideais e novas realizações, incentivando-me a mim e aos filhos em tudo. Ardorosa amante da vida, por quase dez anos batalhou contra a doença insidiosa que a fez passar à minha frente na volta à casa do Pai.
Não te vejo mais, Benê, a não ser em sonho e nas fotos. Não te toco mais, não te abraço, não te beijo. Mas continuas povoando minha mente e coração, pois figura como você jamais passaria pela vida de um homem sem deixar marcas que o tempo consiga apagar.
Toninho
27/08/2011.
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